sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

A minha educação

Como já disse aqui no blog, eu vivi no Canadá entre os 5 e 13 anos, e foi lá que detectaram a minha deficiência auditiva (sei que há quem não concorde com a palavra “deficiente”... mas é mesmo isso que tenho, porque afinal o meu ouvido não é “normal” - espera aí... eu escrevo normal entre aspas porque penso que não existe nada normal, é muito relativo.. e só com isto posso dar alguma razão a quem não concorde com a palavra deficiente, tal como eu não acredito na palavra normal.. não existe nada normal, como também não existe nada perfeito. Mas vá, já estou a sair do assunto..).

Antes dos 5 anos mal falava, porque ouvia mal, e não sabia como falar.

Quando comecei a usar aparelhos auditivos, com 5 anos, comecei a aprender inglês.
Não estava sempre na mesma casa, portanto, os primeiros anos frequentei escolas diferentes. Estas primeiras escolas frequentava com pessoas diferentes que eu, ouvintes. No entanto tinha aula de apoio para não ficar tão atrasada em relação aos outros.
Não me lembro muito bem como era. Lembro da sala de aula barulhenta, cheia de miúdos activos a andar um lado para o outro. Eu era uma miúda calma, tímida, caladinha, sempre a observar os outros, tentado perceber, e ao mesmo tempo sonhar com que eu não percebia.

Na 3º ano, fui para uma escola diferente. Longe de casa, mas tinha sempre o autocarro (aqueles amarelos que aparecem nos filmes, estão a ver?) para me ir buscar a casa e levar a casa, independentemente da distância que era.
Eu chorei quando a minha mãe me disse que ia mudar de escola, porque (se calhar) estava a gostar de estar onde estava na altura.
Era uma escola igual às outras, com a única diferença de ter apenas DUAS turmas frequentadas por pessoas que ouviam mal. E eu ia para uma delas.
Destas turmas, cada uma tinha no máximo 10 alunos (e 10 já é muito, o melhor seria paí 7, mais ou menos).
Cada turma tinha no mínimo dois professores, sim DOIS!
A sala de aula era diferente que as outras. Tinha tapete para o espaço ser mais silencioso. Era tudo a pensar em pessoas que ouviam mal (quanto mais silencioso é uma sala de aula mais concentrado ficamos, certo? E como nós temos que estar ainda mais concentrados para apanhar tudo.. é cansativo.. ficamos mais cansados, mais vale a pena o esforço.)
Claro que há alunos e alunos.
Um aluno ouvinte pode perceber tanto como um aluno surdo.. basta o surdo estar concentrado o suficiente, o ouvinte estar a olhar para o nada, distraído.
Fazia-se tudo naquela sala. As professoras ensinavam tudo.
Os meus colegas ouviam tanto, ou melhor, ou pior que eu.
Todos falavamos oralmente em inglês.
Não chegamos a aprender Língua gestual. E acho que foi pelo facto de não precisarmos.
Confesso que gostava de saber mais do que sei. Mas ainda vou a tempo para aprender. Penso que é mais uma valia para mim. O saber não ocupa lugar!

Havia colegas que falavam piores que eu. Mas falavam.
Eu lembro de ouvir frases mal feitas. Frases que a mim não faziam sentido, mas percebia-as.
(fico então a pensar, se uma pessoa está à volta de pessoas que são 'piores' que elas, será que evoluem mais devagar? Não seria melhor ter colegas melhor que nós para podermos aprender mais? Eu acho que sim. A minha mãe até me dizia isso muitas vezes.. agora é que me estou a lembrar que não foi ela que decidiu em meter-me numa escola diferente, foi talvez o médico? É capaz.)
Uma pessoa no meio de pessoas que falam mal, acaba por falar mal também, penso eu.
Se eu ler livros mal escritos, vou pensar que é tal maneira que se deve escrever e depois sou eu escrevo mal.
Se não houver ninguém que nos diz que está mal, como é que sabemos que está mal?
Pode estar mal para uns, e bem para outros. Está bem, mas há casos e casos.

Hoje em dia até digo palavras e frases mal feitas. Verbos trocados e afins.
Se ninguém me corrigir como melhoro?
Ainda não me esqueci quando me disseram que estava a dizer mal a palavra "distinguir", dizia mal o "G".
E então quando eu dizia "algueres"? LOL. Nem sequer existe, é "algures". Eu sabia lá. E foi preciso alguém me dizer que não existe, e corrigir-me para eu saber!
Porque é a tal coisa, se eu digo alguma coisa é porque penso que existe e está bem.. porque não sou daquelas pessoas que vão dizer cenas que acham que está bem.
A maior parte das pessoas não corrigem. Se calhar é porque a maior parte das pessoas não gostam de ser corrigidas.
Eu gosto que me corrigem!

Voltando atrás...

Eramos todos de nacionalidades diferentes :)
Uma portuguesa (eu), um chinês, um do Vietname, uma de Jamaica, uma indiana, uma da Holanda.. já não me lembro do resto.

Chegou uma certa altura que eu (e mais um colega) era muito boa em matemática, boa em comparação com os outros colegas. Se estava com eles a aprender matemática, a mim era muito fácil e banal.
Então, comecei a frequentar as aulas de matemática em conjunto com as pessoas ouvintes :)
Sempre gostei de matemática.
Na turma dos ouvintes, em matemática, eu já não era assim tão “boa” (a comparar com eles, claro).

Ficava sempre na primeira fila.
A usar sempre o FM.
As minhas notas estavam sempre dentro da média. Uma boa média.

Acho que se a escola fosse apenas para surdos, eu não evoluía assim tão bem..
Penso que o facto de estarmos “misturados” é muito bom para os dois.
Para eles, porque ficam a conhecer que existem pessoas como nós.
Para nós, porque afinal das contas há mais ouvintes que surdos, e convém estarmos à vontade com pessoas ouvintes e socializarmos com todos.

Estive nesta escola até ao 7º ano.
Só porque voltei para Portugal.
Chorei e chorei.. não queria sair de lá.. tal como eu agora não quero sair de cá .. é sempre a mesma coisa :)

Do 8º ano ao 12º frequentei a mesma escola cá em Portugal.
Fui para a turma que tinha menos alunos (que era considerada a pior turma, bahh).
Estava sempre na primeira fila.
Sempre atenta.
Falava muito mal português.
Os colegas foram compreensivos (claro que fui gozada, quem não foi?), mas eu sempre levei quase tudo na boa, tudo na brincadeira como também a sério.
Fui magoada vezes sem conta.
Até que conheci um grupo de amigos civilizados.

Sempre tive apoio de Português.
Era duas vezes por semana uma hora com o professor.
Aprendi muito graças a estas curtas horas.
Aprende-se sempre melhor sozinha e com um professor, do que um professor e um conjunto de pessoas.
Quando tinha dúvidas, tirava-as (enquanto na sala de aulas não as tirava, desenrascava-me).

Na faculdade foi tudo "normal".
Só no último ano é que souberam que eu ouvia mal.

O que vale é que durante a minha vida, só tive que repetir um ano da faculdade (e isto só porque baldava-me muito..).

A minha mãe diz que graças à leitura eu sei o que sei hoje, porque já pequena gostava de ler muito :)
Mas também, para quê ver os desenhos animados (que era a primeira coisa que o meu irmão mais novo ia ver de manhãzinha), se eu não percebia nadinha?! É difícil ler os lábios deles, lol.

Penso que qualquer pessoa, surda ou ouvinte, que queira aprender, pode.
É só esforçar e fazer por isso.
Temos que acreditar que conseguimos.
Tudo é possível.
Independente dos sons que ouvimos.

3 comentários:

Anónimo disse...

Bem... a primeira coisa que fiz quando vi o tamanho do teu post, foi esboçar um grande sorriso e pensar... "Bem, vou consolar-me a ler um post grande da Sara!".
E assim fiz:)
É engraçado conhecer-te assim aos poucos. Consegues ser uma caixinha de boas surpresas:P
Quanto ao post propriamente dito... Concordo que na diversidade está o ganho, embora haja momentos para tudo. É importante para um surdo saber lidar com a comunidade ouvinte... e só o pode fazer estando integrado nela.
Por outro lado, quem é surdo tem outras necessidades educacionais que um ouvinte não tem.
Talvez faça sentido constituir turmas exclusivas de surdos enquanto se aprendem as bases da comunicação (saber ler, escrever)... até para se ter uma boa base de apoio e segurança quando se inicia contacto com a parte do mundo que ouve.
Numa coisa tens toda a razão: um surdo concentrado pode conseguir aprender tanto (ou ainda mais)do que um ouvinte distraído. Tal como um aluno esforçado por vezes tira melhores notas que um aluno "inteligente", daqueles que nem precisa de se esforçar muito para ter bons resultados.
A verdade é que as pessoas adaptam-se. Umas com mais dificuldade, outras com menos, mas todas por necessidade.
Eu tenho o grau de surdez que tenho (quase nada comparado com o teu), fiz a escolaridade toda sem chumbar um único ano que fosse e sempre com boas notas. Fiz a faculdade sem grandes problemas (também tive sorte com os bons apontamentos que conseguia arranjar). A única coisa que perdi (e nunca ganhei) foi o inglês. Em termos escolares, foi a única coisa em que a falta de audição me prejudicou... e nunca consegui gostar o suficiente para querer aprender fora da escola.
No entanto, olho para ti e para a Alice e vejo que vocês, com muito mais dificuldades, alcançaram o que qualquer ouvinte alcança sem grande esforço! O vosso ponto de partida era, logo de origem, desanimador e, no entanto, eis que têm uma vida praticamente normal.

Sei, por experiência própria, as dificuldades inerentes ao facto de não se ouvir bem e por isso, estou em posição de reconhecer o alcance das tuas vitórias. Há certas pessoas e certos momentos em que as palavras, por si só, não bastam.
Perante ti e perante o post de hoje... curvo-me e permaneço em silêncio em sinal de admiração e respeito.
Como dizes, tudo é possível. Basta acreditar!

Bjocas grandes e bom fim-de-semana***

Cris

Sara disse...

Obrigada pelas palavras :)

Mel disse...

Descobri-te...:P